Educação para a autonomia: quais os desafios, possibilidades e limites de nossa atuação?

Educação para a autonomia: quais os desafios, possibilidades e limites de nossa atuação?

17/06/2019
Quais são os desafios, as possibilidades e limites de nossa ações como docente na formação de pessoas para o mundo do trabalho? Como proporcionar o desenvolvimento dessas pessoas para a atuação profissional, sem se descuidar das questões da cidadania e

Quais são os desafios, as possibilidades e limites de nossa ação docente na formação de pessoas para o mundo do trabalho? Como proporcionar o desenvol­vimento dessas pessoas para a atuação profissional, sem se descuidar das questões da cidadania e do cuidado de si?

Entendemos que as ações educacionais que têm por finalidade a formação de pessoas para o mercado são indissociáveis do estímulo ao exercício da cidadania e a atenção ao próprio educando, que aqui chamamos de ‘cuidado de si’. Estas três instâncias fazem parte de um todo complexo que não pode ser desconsiderado, sob pena de produzirmos uma educação descontextualizada dos desafios contemporâneos.

O processo da Educação, ou seja, da íntima relação entre o ensino e a aprendizagem deve ser promovido em harmonia com as questões da vida, portanto, a educação precisa ser integral, ou seja, não pode mais ser parcelar ou excludente... o educar hoje é um educar inclusivo, que agrega, que reconhece, legitima e elogia a diversidade.

Ao mesmo tempo, apenas ‘treinar’ o educando em suas habilidades é insuficiente. Se entendemos que os quatro pilares fundamentais da Educação são: aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser (Unesco, 1996) é necessário que nos lembremos de Freire que insistia em dizer que o mero ‘treinar’ não é sinônimo de educar. Definitivamente na Pedagogia da Autonomia, o mero ‘treinar’ não tem mais sentido. É um dos grandes desafios da docência, adotar uma perspectiva crítica e emancipatória: formar nesse sentido é diferente de (con)formar ou (in)formar – no sentido de transmitir informações (que, atualmente, são abundantes nos meios digitais, notadamente a internet).

O formar de qualidade exige o desenvolvimento de ambientes e momentos que sejam propícios para que os educandos possam desenvolver, por si mesmo, em troca direta com os educadores – suas habilidades, seus interesses, seus conhecimentos, seus valores, enfim. Em nossa sociedade ultraconectada, os conhecimentos estão em constante ebulição, transformando-se e sendo tornados obsoletos. A cultura de consumo não está apenas na prateleira das lojas, dizendo “jogue fora o que você acabou de comprar”, ela está nos bancos (e outros espaços) escolares dizendo “jogue fora o que você acabou de aprender” – nós, educadores e educadoras precisamos nos posicionar frente a essa ininterrupta produção de informações, sabermos selecionar, triar, considerar conteúdos e discutir isso diretamente com nossos discentes.

Quanto à questão dos espaços, a escola já não pode ser mais somente ‘sala de aula’ – a formação para o mundo do trabalho deve invadir o próprio mundo do trabalho, ser conectada com as empresas, tornando o mundo do trabalho e o mundo da educação um continuum. Sem dúvidas, as novas tecnologias usadas na educação podem (e devem) ajudar muito, mas olhamos para essa empolgação com olhos críticos, não entregando tudo o que temos ao milagre da tecnologia. Mesmo essas ferramentas, devem ser olhadas com olhares críticos: se estamos trabalhando para a emancipação, a dependência da tecnologia, com certeza, mostra-se como um dos limites que devemos compreender e, claro, afrontar!

A formação para o mercado de trabalho não é uma educação realizada no vácuo do espaço e do tempo, ela é eminentemente uma prática Política (sim, com P maiúsculo, e bem distante de qualquer prática político-partidária) que deve ser norteada pelos e para os valores da cidadania e da Democracia. Se assim o é, resgatemos aqui a importância do ‘aprender a ser’ e do ‘aprender a conviver’, pois ninguém está só em sua vida diária, vivemos num mundo globalizado e em constantes interrelações com nossos pares (o que é a vida na empresa senão feita de relações humanas). Nossas ações individuais, de certo modo e com certa potência, influenciam o (e são influenciadas pelo) socius. Vivemos COM os outros e educamo-nos COM os outros.

 

Diversidade

Neste ponto, precisamos retornar à questão da diversidade social e do combate a toda forma de preconceitos que nos afligem, nos atingem, mas que em nós tem sua fonte (sim, preconceituosos somos nós, é preciso enfrentar isso para vencer o preconceito ‘lá’ na sociedade, e no trabalho). Para que possamos entender a pluralidade humana (sexual, de ‘raça’, de etnias, culturas e costumes) é necessário que a Educação seja, igualmente, plural... nossa prática diária como educadores dever ser igualmente pautada numa pluralidade pedagógica que observe, reconheça e agregue para si as plurais formas de aprendizagem e formação.

 

Metodologias – como fazer?

 

Mas, como fazer tudo isso? Como é que, metodologicamente, podemos atuar frente a todas essas demandas até agora aqui apontadas (e, saibamos, há tantas outras que aqui não tocamos por questões de tempo e foco). Se a educação que aqui discutimos é aquela que tem como objetivo formar para o mundo do trabalho, o atual discurso nos leva a abordar a questão da competência: é preciso desenvolver competências. Quais? Aqui não temos condições de abordar em profundidade, portanto, seguimos nossa linha de argumento escolhendo alguns pontos que entendemos mais dialogam com as questões aqui postas.

Antes: quais competências docentes devemos desenvolver uma vez que nós também precisamos nos atualizar frente às constantes mudanças do mundo. E, notem bem, não estou dizendo que devemos ficar ‘nos adaptando’ ao que nos é imposto: a formação docente continuada deve produzir em nós, educadores e educadoras, sujeitos críticos ao que aí se mostra. Não é questão – apenas – de formar para o mercado, mas de refletir sobre o que o ‘mercado’ ‘quer’ de nós, o que nos exige e o que (não) nos dá.  Para mais informações e profundas reflexões, indico o paradigmático livro “Pedagogia da Autonomia” do Patrono da Educação Brasileira “Paulo Freire”.

Para o educador preocupado com a Autonomia de seus educandos, a competência da pesquisa é fundamental. Para que nós possamos dar conta da compreensão de parcela de nossa realidade, a pesquisa é fundamental – o ensino (clássico de transmissão de conteúdos) não dá mais conta de responder às demandas espontâneas de nossos discentes. Portanto, mais que querermos ser ‘um poço de informações’ precisamos saber é pesquisar e mais que isso, saber incentivar, estimular nossos discentes a terem gosto pela pesquisa – brilho nos olhos é o norteador de qualquer pesquisador. Ao contrário do ensino de conteúdos, a pesquisa nos convida, nos estimula e nos impele a sairmos de nossas zonas de conforto. Não nos enganemos: todo esse trabalho docente calcado na pesquisa deve ter planejamento rigoroso e visar, o tempo todo, à autonomia de nossos discentes.

Neste sentido, os educadores precisam repensar suas ferramentas de trabalho e buscar a escolha daquelas que privilegiem a ação dos discente, portanto, pedagogias ativas para estimular pessoas a serem ativas. Os projetos desenvolvidos a partir de necessidades detectadas pelo próprio corpo discente são fundamentais para esses incentivos à pesquisa e à solução autônoma de problemas. Lidando com dados da realidade, com situações não controladas – típicas das situações do ensino tradicional – os discentes deverão desenvolver seus olhares e atitudes que sejam mais abrangentes, solidários e integradores.

 

Teoria & prática & teoria & ...

Na educação para a autonomia, nossa prática docente deve ter um caráter inextricável de relação entre a prática e a teoria, não como uma dicotomia, ou por vezes vista, como antagônicas. Teoria e prática formam um continuum a ser desenvolvido de maneira indissociável na vida dos educandos; devem ser articuladas de maneira a poder promover a compreensão mais completa possível dos fenômenos estudados. Importante dizer que precisamos compreender que entendemos que o novo paradigma da Autonomia não coloca ‘apenas’ o discente no centro do processo. Não! Isso seria desconsiderar a função vital dos educadores. O trabalho educativo, a partir de agora, deve ser realizado em sintonia com os sujeitos do ato educativo (educadores e educandos) trabalhando juntos em parceria. Os estudantes não são mais considerados sujeitos passivos do ato de ensino, e os educadores com eles trabalham juntos. A vivência e as experiências dos discentes, enfim, seu repertório de vida, deve ser levado em consideração nas soluções – que, por meio das atividades propostas – eles vão desenvolver. Somente com a mão na massa é que o discente terá condições (leia-se oportunidades que eles poderão, ou não, aproveitar) de desenvolverem suas competências (solução de problemas propostos, de facilidade de comunicação com os pares) sua iniciativa própria (suas decisões para o trabalho, para a vida pessoal, para sua vida social), sua autonomia (reconhecimento de seus limites, das autoridades, dos enfrentamentos), enfim.

De agora em diante, penso que a formação de nossos discentes é para que eles ‘se livrem’ da dependência de nossos préstimos... o desenvolvimento de uma postura de investigação científica ou de atuação profissional independente é nosso objetivo. Nosso papel passa pela ideia de mediação do aprendizado, de incentivo, de facilitação (e de problematização) das situações de aprendizagem para elas possam ser significativas.

 

Mitos e Enganos

No processo da Educação para autonomia, muitos sãos mitos e enganos. Não, educar para a autonomia não é ausência de regras, mas sim! A produção de regras que contemplem os discentes em sua elaboração. Não é a ausência de limites ou de responsabilidade do docente no processos, mas um reposicionamento dos atores em torno de uma relação mais participativa nas decisões do processo. Não é, igualmente, a ausência de avaliação! Mas, a avaliação toma outro corpo e, principalmente, outra motivação.

 

Avaliação

Agora é necessário pensar num processo avaliativo que leve em consideração a participação dos discentes, que seja inclusiva e dialoga com as necessidades das singularidades que participam do processo. É o fim da avaliação uniforme que desconsidera as peculiaridades em função de um fundo comum avaliativo. O foco deste processo de avaliação é a aprendizagem, é o reconhecimento pelo próprio discente de suas necessidades para prosseguir no caminho de seu itinerário de seus próprios aprendizados.

Se estamos a discutir uma educação que se quer plural, plural deve ser a avaliação – então a utilização de múltiplos métodos, instrumentos e técnicas de avaliação se faz necessária.

A avaliação, longe de ter função punitiva, passa a ser considerada como uma ação de diagnóstico que vai ajudar, tanto docentes, quanto discentes a enxergar melhor sua participação no processo educativo no qual estão inseridos – afinal, acompanhando todo o processo de ensino-aprendizagem, a avaliação vai acumulando informações que podem colaborar com as decisões a serem tomadas, visando ao aperfeiçoamento daquela situação. Como uma ação de formação que visa a dar o norte e o tom do processo da Educação.

 

Por fim, estas breves reflexões são apenas um convite para que docentes e discentes pensem e repensem suas práticas nos momentos em que estão envolvidos com a Educação. A formação para o mercado de trabalho é formação para a vida – não há – ao menos em meu ver – como fazer um sem fazer outro.

 

Se você gostou, comente – se não gostou, comente também e me ajude a ver essas questões de outras perspectivas!

Grato,

Prof. Dr. Helio Hintze

www.heliohintze.com.br



por Helio Hinze
Helio Hinze

Educador e Filósofo / Palestrante e Consultor do Projeto Fazer Pensar da Usina do Conhecimento Educador do Projeto Sabores & Saberes: Educação para o Gosto Consultor Associado GKS Consultoria Atuou como Professor Universitário em diversas Universidades: UFSCAR - Sorocaba, UNIMEP Piracicaba, SENAC, Uniararas